Resposta: IAM, letra A
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Estruturação para raciocínio diagnóstico:
ID: J.B.L, masculino, 58 anos
QP: “Dor no peito”
HDA: Paciente relata que a dor torácica havia começado 1 hora antes, durante o café da manhã, e ele a descreve como forte, difusa e do tipo compressiva. A dor está localizada na região subesternal, irradia para o ombro esquerdo e está associada à falta de ar. O paciente vomitou uma vez. Sua esposa relata ainda que ele suou bastante quando começou a sentir a dor.
IS: Nega outros acometimentos.
HP: DM e HA
Exame físico: P.A: 150/100 mmHg nos MMSS, a pulsação é de 95 bpm, FR: 20 irpm, a temperatura corporal é de 37 ,3°C, e a saturação de oxigênio: 98%. O paciente está diaforético e parece ansioso. A ausculta, estertores fracos são ouvidos junto a ambas as bases dos pulmões. O exame cardíaco revelou um galope de B4 e resultou normal. Ao exame abdominal, nenhuma massa ou sensibilidade foi encontrada.
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Resolução do caso:
Hipótese diagnóstica: Síndrome Coronariana Aguda (SCA), IAM com supra de ST
Conduta imediata: Colocar o paciente no monitor cardíaco, estabelecer acesso intravenoso, AAS, morfina, oxigênio e nitroglicerina
Exames complementares: ECG com supra ST, Raio-X sem alargamento de mediastino e níveis séricos de cardíacos positivos.
A dores torácicas são a 3ª causa mais frequente de procura do departamento de emergência, sendo que de 10 a 25% dos casos são causados por SCA (obstrução de coronárias e IAM, como principais). Porém, a grande maioria (75%) das dores torácicas tem origem músculo esquelética; esofágica; respiratória ou psicológica. Logo, com tantas etiologias possíveis para dor torácica, sendo algumas potencialmente fatais, devemos avaliar a potencial gravidade; identificando doenças que representem risco sem expor o paciente a testes e internações desnecessárias. A abordagem inicial deve ter a finalidade de confirmar ou afastar a SCA, sem se esquecer de outras causas como:
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Síndromes aórticas agudas
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Embolia pulmonar
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Pneumotórax
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Pericardite/ tamponamento cardíaco
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Ruptura esofágica com mediastinite
É valido ressaltar a anatomia da região torácica:


Figura 1. Representação esquemática dos órgãos presentes no mediastino
Figura 2. Representação em raio-x das estruturas presentes no mediastino
O IAM é uma condição de emergência clínica, sendo então necessária uma anamnese direcionada. Investigar sobre a característica da dor como localização, irradiação, cronologia, fatores de melhora e de piora, intensidade, fatores associados e tipo são muito importante, uma vez que na grande maioria dos casos a dor torácica do IAM é bem clássica. Apresenta-se como dor retroesternal/precordial esquerda, com possível irradiação para dorso, braços, mandíbulas ou pescoço. Pode ser de moderada a intensa (10/10), mais comum, que piora progressivamente, em aperto. A dor torácica pode ser classificada em quatro tipos: A, B, C e D (Classificação da dor Torácica - Coronary Artery Surgery Study – CASS); sendo:
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Definitivamente anginosa: tem todas as características típicas: dor em aperto ou queimação, com localização precordial ou paraesternal com irradiação para MMSS e/ou mandíbula, de forte intensidade e iniciada na maioria das vezes pelo exercício físico.
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Provavelmente anginosa: tem a maioria, mas não todas, as características clássicas de uma dor anginosa.
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Provavelmente não anginosa: poucas características da dor anginosa, precisando de exames para exclusão de SCA
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Definitivamente não anginosa: nenhuma característica da dor anginosa, mesmo quando localizada na região precordial ou retroesternal
Equivalente anginosos: é necessário estar atento a apresentações não clássicas da doença como: dispneia, diaforese, síncope ou pré-síncope, fadiga, mal-estar, fraqueza generalizada, náusea, vômito, desconforto epigástrico, dor isolada no braço ou na mandíbula, palpitações, confusão mental. Mesmo sendo infrequentes, podem ocorrer principalmente em pacientes idosos, obesos, mulheres, diabéticos, portadores de marca-passo ou pacientes com insuficiência cardíaca.
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ECG:
Formas do ECG na SCA:
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Angina Instável: ECG normal ou infradesnivelamento segmento ST ou inversão de ondas Ts. Marcadores bioquímicos de necrose do miocárdio: negativos.
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IAM s/supra ST: ECG normal ou infradesnivelamento segmento ST ou inversão de ondas Ts. Marcadores bioquímicos de necrose do miocárdio: positivos.
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IAM c/supra ST: ECG com supra-desnivelamento segmento ST ou inversão de ondas Ts. Marcadores bioquímicos de necrose do miocárdio: positivos.
O ECG é um exame que traz grandes informações no cenário do IAM. Além de mostrar o tipo IAM sem supra de ST ou IAM com supra de ST, evidencia as paredes isquemiadas (aquelas cujas derivações evidenciam a elevação de ST) e a artéria acometida. Todas essas informações são uteis para definição da conduta. Importante lembrar que os pacientes que permanecem sintomáticos, mesmo com ECG normal, merecem ter o exame repetido em um curto período de tempo, como de 15 em 15 minutos, até 3 ou 4 vezes, uma vez que o exame pode ser inespecífico nas primeiras horas; e é essencial diagnosticar e diferenciar paciente com IAM com supra de ST. No ECG do paciente com IAM sem supra de ST, o eletrocardiograma pode estar normal ou apresentar alterações como: Infradesnivelamento de ST; inversão da onda T e mudanças inespecíficas no ST e onda T.

Figura 3. Eventos do eletrocardiograma

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O ECG normal de 12 derivações não tem V3R e V4R, eles devem ser pedidos quando há IAM de parede inferior, que pode significar IAM de ventrículo direito, e essa diferenciação é importante na conduta.
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O infra de ST em V1-V3 que são paredes anteriores, pode significar o supra de V7 e V9 (também não presentes no ECG de 12 derivações), que são paredes posteriores, sendo então uma imagem em espelho. Além disso, é comum se observar o aumento da onda R em V1-V3, que seria o equivalente a onda Q patológica em V7 e V8.
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IAM com supra de ST em DI, AVL, V1-V4 é classificado como de parede anterior extensa.
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O supra de AVR não forma parede, uma vez que ele é a derivação que reflete grandes vasos. Um supra de AVR significa trombo de grandes vasos.
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Marcadores bioquímicos de isquemia miocárdica:
➢ Mioglobina: alta sensibilidade e elevação precoce (1h antes das demais).
➢ CK-MB: pode estar aumentada em lesões de outros órgãos (língua; útero; próstata).
➢ Troponina (T e I): altamente sensível e específico; meia vida prolongada.
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Confirmação diagnóstica:
Diante do quadro clínico de J.B.L com dor típica retroesternal compressiva e irradiada para o ombro esquerdo associada a vômito, sudorese e dispneia; podemos classificar o caso como definitivamente anginosa (classificação do tipo A). Devemos nos atentar a idade do paciente e principalmente para as comorbidades que são consideradas fatores de risco para SCA (diabético, idade avançada e hipertenso). Em relação ao exame físico podemos descartar a possibilidade de dissecção de aorta, pois o paciente apresenta a P.A simétrica nos membros. Além disso, J.B.L não apresenta história prévia de trombose venosa profunda (TVP) afastando o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar. Somado a isso, o paciente apresenta exame cardiológico com presença de B4 e restante normal. Cabe ressaltar que o exame físico pode ser inexpressivo, mas algumas características podem estar presentes: B4, sopro carotídeo, diminuição de pulso em MMII, aneurisma abdominal e achado de sequelas de AVC. Em relação ao ECG fica notório que o paciente apresenta um desnivelamento de ST classificando-o como IAM c/supra ST. A conduta imediata para o paciente seria a administração de AAS, oxigênio, nitroglicerina sublingual (para diminuição da tensão da parede e da demanda de oxigênio do miocárdio) e morfina (pode reduzir a dor e diminuir a ansiedade colaborando para a redução do consumo de O2). Além disso, o resultado do ECG indica a necessidade de uma terapia de reperfusão emergencial.
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Tratamento:
O tratamento se baseia nos resultados do ECG, sendo que podemos utilizar apenas medicamentos ou até a intervenção cirúrgica. No caso de J.B.L o supra de ST significa que houve a obstrução total de alguma artéria, então deve-se atender o paciente rapidamente para desobstruir e retornar o fluxo, estratégia chama de “recanalização”. Esse processo pode ser feito através de duas formas: terapia fibrinolítica (clínica), indicada quando existe a incapacidade de realizar o cateterismo no momento e tem como objetivo restabelecer parcialmente o fluxo até ser possível realizar o procedimento. O procedimento indicado seria a intervenção coronária percutânea primária (ICP primária), sendo o tratamento de escolha de um cardiologista experiente que pode realizar de forma rápida e imediata.
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Referências:
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Emergências clínicas: abordagem prática / Herlon Saraiva Martins...[et al.]. -- 10. ed. rev. e atual. -- Barueri, SP: Manole, 2015.
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IV Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST. Arq. Bras. Cardiol. São Paulo, v. 93, n. 6, supl. 2, p. e179-e264, 2009. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0066-782X2009001400001&lng=en&nrm=iso>. Access on 05 July 2020. https://doi.org/10.1590/S0066-782X2009001400001.
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GOLDMAN, Lee; AUSIELLO, Dennis. Cecil Medicina Interna. 24. ed. Saunders-Elsevier, 2012.
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Tratado de Cardiologia SOCESP, 3º edição, 2015.