Resposta: A, Anafilaxia.
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Estruturação para raciocínio diagnóstico:
ID: J.K.R, mulher de 46 anos.
QP: “Desmaio”.
HDA: Naquele mesmo dia, tinha sido examinada por um médico que lhe prescreveu amoxicilina para tratamento de sinusite.
IS: Sem outros acometimentos.
HP: Nega HAS e DM tipo 2.
EXAME FÍSICO: PA 70/30 mmHg; FC 140 bpm; FR 40 mrpm; Saturação de Oxigênio em 76%. Paciente está enfraquecida e apresenta cianose perioral, inchaço da língua, estridor, sibilos e respiração forçada. Sua pele está fria e pegajosa e apresenta lesões urticariformes amplas.
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Resolução do caso:
Essa paciente foi trazida ao serviço de emergência apresentando edema da língua e respiração forçada. A cianose perioral, os sibilos difusos, o estridor e a hipóxia são todos indicativos de insuficiência respiratória iminente. Um atraso de até mesmo 1 minuto pode ser prejudicial à vida.
A intervenção mais importante, além da administração de adrenalina, é a garantia da via aérea. A paciente provavelmente tem um edema de faringe e laringe que dificulta tecnicamente a intubação. Assim, o manejo da via aérea nesse tipo de paciente frequentemente requer uma cricotireoidostomia.
O acesso IV com administração de adrenalina é a intervenção farmacológica mais importante. A adrenalina deve ser administrada primeiramente por via IM. Se essa via falhar, então deve ser iniciado o gotejamento IV. A dosagem de adrenalina é abordada adiante. A identificação do agente deflagrador não é essencial ao tratamento da anafilaxia, porém ajuda a prevenir exposições adicionais e a recorrência dos sintomas.
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Próxima etapa: diante de sintomas que atendam aos critérios diagnósticos determinantes da anafilaxia, deve-se administrar adrenalina imediatamente. A primeira dose deve ser administrada por via intramuscular (IM). No contexto de uma reação grave, como a descrita neste caso, recomenda-se mudar rapidamente para uma infusão IV.
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Tratamentos adicionais: a paciente desse caso clínico requer ressuscitação rápida e estabilização. Os itens da mnemônica ABC (via aérea, respiração, circulação) devem ser tratados de forma correta e ordenada, tanto em relação aos procedimentos quanto às intervenções farmacológicas. Será necessário instalar uma via aérea definitiva imediatamente, em razão da iminente obstrução da via aérea. O comprometimento cardiovascular apresentado pela paciente requer suporte de adrenalina. Os especialistas referem-se ao ABC da anafilaxia como A E B C, em que o "E" corresponde a epinephrine (adrenalina).
Além do manejo da via aérea e da administração antecipada de adrenalina, a terapia farmacológica é ajustada de acordo com as outras manifestações sistêmicas da resposta anafilática. Esses ajustes incluem a ressuscitação do volume com cristaloide, nebulização de B-agonistas, nebulização de adrenalina racêmica, corticosteroides, anti-histamínicos (incluindo os bloqueadores de H2) e remoção de qualquer antígeno remanescente (i.e., ferrão de abelha).
FISIOPATOLOGIA: A anafilaxia verdadeira constitui uma reação de hipersensibilidade do tipo 1 que ocorre após uma exposição sensibilizadora prévia. Em sua forma mais pura, consiste na ativação imunomediada de basófilos e mastócitos com subsequente liberação de prostaglandinas, leucotrienos e histamina. Do ponto de vista clínico, uma reação anafilactoide também envolve a liberação desses compostos, mas por vias não imunomediadas. A única importância clínica dessa diferença está no fato de que as reações anafilactoides podem ocorrer sem sensibilização prévia.
Seja qual for o mecanismo subjacente, os efeitos produzidos são similares, e a identificação antecipada determinará o sucesso do manejo clínico Durante a primeira exposição a uma substância, a ligação dos anticorpos deflagra troca de classes e alterações regulatórias na expressão genética, condicionando efetivamente o sistema imune para o próximo encontro com o agente agressor. Em certos casos, isso leva à ligação da imunoglobulina E (IgE) aos mastócitos e basófilos. Na reação anafilática classicamente definida, o antígeno encontra novamente o sistema imune, liga-se à IgE presente nos mastócitos e basófilos e libera uma grande quantidade de citocinas que induzem a ocorrência da resposta clínica.
Em uma reação anafilactoide, o antígeno causa liberação direta de citocinas pelos mastócitos e basófilos sem necessidade de sensibilização prévia. Em ambos os casos, o resultado é o mesmo, clinicamente indistinguível.
Os estágios iniciais de algumas reações anafiláticas envolvem a secreção aumentada pelas membranas mucosas. Além dos olhos úmidos e da rinorreia, o aumento das secreções bronquiais e do tônus da musculatura lisa provocam sibilos e aumentam o esforço para respirar. Um tônus vascular diminuído e o aumento da permeabilidade capilar levam ao comprometimento cardiovascular e à hipotensão. Os pacientes podem perder mais de 30% do volume sanguíneo por extravasamento durante os primeiros 10 minutos de reação alérgica. Outras citocinas, em específico a histamina, podem causar urticária e angioedema.
Existem numerosas citocinas envolvidas na cascata imunológica subsequente à exposição, mas nenhuma substância importante parece ser primariamente responsável. Leucotrieno C4, prostaglandina D2, histamina e triptase são comprovadamente componentes essenciais da reação. Níveis elevados de triptase confirmam o diagnóstico.

CAUSAS: Algumas das causas mais comuns de anafilaxia estão relacionadas ao tratamento médico, mais notavelmente as alergias à penicilina e às medicações contendo sulfa. Alguns estudos sugeriram que até uma em cada 500 exposições à penicilina resultam em anafilaxia, que também pode ser causada por agentes de contraste radiográfico IV. Essa reação não é mediada pela IgE e é mais comum em pacientes que recebem agentes hiperosmolares mais econômicos.
De modo geral, estima-se que ocorram 0,9 reações fatais a cada 100 mil pacientes expostos ao contraste intravenoso. Esse número aumenta para 60% entre os pacientes previamente expostos e reativos. As ferroadas de himenópteros ou abelhas e vespas, são outra causa de anafilaxia. A anafilaxia por ferroada resulta em média em 50 mortes por ano nos EUA. Em geral, o número de casos de anafilaxia por artrópodes atendidos pelos médicos é pequeno se comparado ao número de casos iatrogênicos.
Entretanto, como a exposição frequentemente ocorre a quilômetros de distância do atendimento médico, pode ter consequências graves. As fontes alimentares constituem as principais causas de reações alérgicas graves, sendo o amendoim a causa mais comum. Outros alérgenos alimentícios comuns são os ovos e os mariscos, mas qualquer alimento pode ser responsável por uma alergia.
DIAGNÓSTICO: O diagnóstico da anafilaxia é clínico. O sistema mais afetado é a pele, que manifesta angioedema, urticária, eritema e prurido em pelo menos 80% dos pacientes anafiláticos. O sistema cardiovascular também é afetado, primariamente como resultado da diminuição do tônus vasomotor e do vazamento capilar, o que leva a hipotensão e taquicardia.
É comum haver comprometimento respiratório. Broncoespasmo e broncorreia no trato respiratório inferior, combinados ao edema no trato respiratório superior, são os aspectos anafiláticos mais temidos e difíceis de tratar.
Após a administração de adrenalina, o controle da via aérea é a intervenção terapêutica mais importante, uma vez que quase todas as mortes causadas por anafilaxia resultam do comprometimento da via aérea. Para esses pacientes, indica-se o manejo antecipado e agressivo da via aérea (se necessário, cirúrgico). Os sintomas gastrintestinais, incluindo náuseas, cólicas e diarreia, podem estar presentes e estão associados a reações anafiláticas graves.

Critérios clínicos para o diagnóstico da anafilaxia
Critérios clínicos foram desenvolvidos a partir de um simpósio multidisciplinar para melhor identificar a anafilaxia de forma antecipada e acurada. A anafilaxia é altamente provável quando um dos critérios diagnósticos a seguir é atendido:
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Início agudo (minutos a horas) com reação cutânea e/ou tecidual mucosa, além de sintomas respiratórios ou hipotensão. Os sintomas cutâneos incluem prurido, vermelhidão, urticária, urticária generalizada e edema de mucosa. As manifestações respiratórias incluem estertor laríngeo, broncoespasmo, broncorreia e hipóxia. A hipotensão resulta do extravasamento de líquido a partir a vasculatura, bem como da perda do tônus vasomotor.
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Pelo menos dois dos seguintes achados, com início agudo (minutos a horas) pós a exposição a um provável alérgeno: envolvimento da pele/tecido mucoso, sintomas respiratórios, hipotensão ou sintomas gastrintestinais. Os sintomas gastrintestinais incluem a dor abdominal, cólicas e diarreia.
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Hipotensão de início agudo (minutos a horas) após a exposição a um alérgeno conhecido pelo paciente. A hipotensão pode se manifestar como um estado mental débil ou alterado.
TRATAMENTO: A terapia inicial primária para a anafilaxia é a administração de adrenalina, substância que atua como agente pressor de suporte hemodinâmico, broncodilatador para alívio dos sibilos e agente de contraposição e prevenção da liberação adicional de mediadores. A adrenalina pode ser administrada por via IM ou IV.
A administração da adrenalina por via subcutânea (SC) deixou de ser recomendada porque se mostrou comprovadamente menos efetiva do que a administração IM. A administração inicial é feita por via IM, na região anterior da coxa, com uma concentração de 1:1.000 em doses de 0,3 a 0,5 mL, a cada 5 minutos.
Se não houver resposta ou o paciente já apresentar comprometimento cardiovascular, a administração por via IV deve ser iniciada imediatamente. A dosagem IV de adrenalina pode ser confusa e potencialmente perigosa por provocar disritmias cardíacas. Em geral, todas as ampolas de adrenalina contêm 1mg de medicação (1 mL de solução 1: 1000 = 1 mg de medicação; 1 O mL de 1:100.000 = 1 mg de medicação). Um método de administração consiste em adicionar 1 mg (uma ampola) de adrenalina em 1 L de líquido IV (equivalente a 1 microg/mL) e infundir 1 a 4 cm3/min (1 a 4 microg/min). Essa forma de administração possibilita a titulação precisa da dosagem para obter o efeito desejado, além de proporcionar uma administração de adrenalina mais rápida do que na dosagem IM. É preciso ter cautela em casos de pacientes idosos e indivíduos com doença cardiovascular comprovada. A administração de adrenalina por via IV pode causar hipertensão, taquicardia, disritmias e isquemia miocárdica.
Os B-agonistas inalatórios são indicados para tratamento dos sibilos, enquanto a adrenalina racêmica nebulizada hipoteticamente parece diminuir o edema laríngeo. A administração IV de glucagon foi proposta para indivíduos em tratamento com B-bloqueadores no evento de irresponsividade à adrenalina. O glucagon pode vencer a hipotensão ao ativar a adenilatociclase independente de B-receptor.
Outros adjuvantes incluem os esteroides sistêmicos, especificamente a metilprednisolona e a prednisona. O início da ação dos esteroides demora pelo menos 6 horas, porém, esses agentes enfraquecem as respostas imunes adicionais. Os esteroides devem ser mantidos por vários dias após a reação e, então, gradualmente afunilados. Bloqueadores de H1 e H2 também devem ser administrados. Mais uma vez, a meta da terapia é minimizar os efeitos do maior número de citocinas possível. A difenidramina e a ranitidina são os agentes mais empregados. É preciso lembrar que essas medicações, embora sejam seguras e fáceis de administrar, não são os agentes de primeira linha e não contrabalanceiam o comprometimento respiratório e cardiovascular.
REFERÊNCIAS:
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