Resposta: A, Meningite Bacteriana.
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Estruturação para raciocínio diagnóstico:
ID: H.P, masculino, 21 anos.
QP: A mãe do paciente afirma que ele "tem agido de modo estranho" nas últimas 24 horas.
HDA: Paciente aparentemente saudável, trazido pela mãe ao serviço de emergência , que afirma que ele "tem agido de modo estranho" nas últimas 24 horas. O paciente havia se queixado de cefaleia há 2 dias, e, desde então, tem estado cada vez mais sonolento e confuso.
IS: Cefaleia e estado mental alterado, além de febre tátil nos últimos 2 dias.
HP: O paciente não tem história médica pregressa e não toma nenhuma medicação. A mãe relata que o paciente não é usuário de drogas ilícitas e ocasionalmente consume bebidas alcoólicas.
EXAME FÍSICO: O paciente apresenta febre de 38,5°C, frequência cardíaca de 120 bpm, pressão arterial de 114/69 mmHg, frequência respiratória de 20 mpm, e saturação de oxigênio está em 98% ao ar ambiente. O exame da cabeça e do pescoço demonstrou ressecamento das membranas mucosas e rigidez nucal. Seu exame cardiopulmonar está dentro dos limites da normalidade, exceto quanto à taquicardia. O abdome está mole e não dolorido. Sua pele está quente e bem perfundida, sem nenhuma erupção. O exame neurológico resultou significativo para alteração do estado mental, com uma pontuação na escala do coma de Glasgow igual a 10 (abertura ocular ao estímulo verbal [3], gemidos do paciente em reposta à estimulação dolorosa [2] e localização dos estímulos dolorosos [5]). O exame motor resultou simétrico e o paciente parece apresentar percepção em todos os membros. Seus reflexos pontuam 2+ bilateralmente, em toda a extensão dos membros superiores e inferiores seguindo até os dedos dos pés.
EXAME COMPLEMENTAR: Leucocitose de 24.000/mm3 com devio à esquerda. Uma varredura de tomografia computadorizada (TC) mostrou ausência de massas, desvios, sangramentos ou edema. Além disso, o interno que foi realizar a punção do liquor, relatou ao preceptor que o líquido se encontrava com aspecto bem turvo.
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Resolução do caso:
SOBRE A MENINGITE: A meningite bacteriana é uma inflamação das leptomeninges (pia-máter, aracnoide e dura-máter) decorrente da infecção do espaço aracnoide, que é caracteristicamente acompanhada da presença de leucócitos no líquido cerebrospinal (LCS). É uma das 10 infecções mais comuns e potencialmente devastadoras e pode afetar adultos e crianças. As taxas de mortalidade descritas chegam a 50% em algumas séries, ainda que a maioria das coortes pareça apresentar mortalidade entre 10 e 30%. Dentre os pacientes que sobrevivem, cerca de 25% desenvolvem um déficit neurológico permanente.
QUADRO CLÍNICO: As combinações dos seguintes sinais e sintomas: febre, estado mental alterado, rigidez nucal e cefaleia, são sugestivas de meningite. Embora a tríade clássica inclua febre, estado mental alterado e rigidez nucal, apenas 44 a 50% dos pacientes apresentam esses três achados. Quase todos os pacientes (99 a 100% dos pacientes) apresentam cefaleia aliada a pelo menos um desses três sinais clínicos. A febre está presente em 79 a 95% dos pacientes, enquanto 4% desenvolvem febre dentro de 24 horas após o início da manifestação.
O estado mental alterado (em geral, confusão ou letargia) está presente em 78 a 83% dos pacientes, dos quais 16 a 22% são responsivos somente aos estímulos dolorosos e 6% são irresponsivos a todos os estímulos. A rigidez nucal está presente em 83 a 94% dos pacientes ao exame inicial e costuma persistir por mais de uma semana após o tratamento e resolução da infecção.
O estado mental alterado em um indivíduo aparentemente saudável pode ser causado por algumas doenças graves, incluindo aquelas de etiologia infecciosa, metabólica, toxicológica e neurológica. Assim como ocorre com qualquer paciente de SE com doença grave, as prioridades iniciais incluem o manejo do ABC (via aérea [airway], respiração [breathing] e circulação [circulation]), incluindo a proteção da via aérea, de acordo com a necessidade imposta pelo nível de depressão da consciência. Esse paciente apresenta escala de coma de Glasgow igual a 10, ainda que, ao exame inicial, aparentemente estivesse com a via aérea protegida.
As causas reversíveis do estado mental alterado, como hipoglicemia, hipóxia e intoxicação farmacológica, devem ser identificadas e tratadas durante o exame inicial. Se uma causa reversível de alteração do estado mental não for identificada e houver suspeita de meningite bacteriana, o estabelecimento imediato do diagnóstico e instituição do tratamento são essenciais.
Os achados adicionais que podem gerar preocupação quanto ao diagnóstico de meningite incluem: convulsões, déficits neurológicos focais, erupção, artrite idiopática juvenil séptica, papiledema e fotofobia. As convulsões foram descritas em 15 a 30% dos pacientes e estão mais associadas às infecções causadas por Streptococcus pneumoniae.
Os déficits neurológicos focais são encontrados em 10 a 35% dos pacientes infectados por Listeria monocytogenes como parte de uma síndrome de rombencefalite, que inclui ataxia com ou sem nistagmo e paralisias do nervo craniano. Neisseria meningitidis pode causar púrpura palpável em 11 a 64% dos pacientes, bem como artrite séptica em 7 a 11%. O papiledema e/ou fotofobia raramente estão presentes, e são descritos em menos de 5% dos casos.
DIAGNÓSTICO: A base do diagnóstico da meningite é a análise do LCS (Líquido Cerebrospinal ou Cefalorraquidiano), que é obtido pela Punção Lombar (PL). A PL pode confirmar a presença de células inflamatórias no LCS; identificar o organismo causal por coloração Gram e cultura; e ajudar a excluir outras potenciais causas dos sintomas manifestados pelo paciente (hipertensão intracraniana idiopática ou pseudotumor cerebral, hemorragia subaracnóidea, doença autoimune). Diante da previsão de uma demora significativa para obtenção da PL, recomenda-se obter hemoculturas e então iniciar o tratamento com antibióticos, com ou sem dexametasona, antes de obter o LCS. Uma causa comum de atraso do diagnóstico é o tempo que demora a realização de uma varredura de TC do cérebro. O objetivo da TC antes da realização da PL é identificar os pacientes que podem apresentar risco de herniação cerebral durante o procedimento.

As atuais diretrizes da Infectious Diseases Society of America (IDSA) para TC anterior à PL incluem os pacientes que apresentam alteração do estado mental ou nível de consciência deprimido, achados focais ao exame neurológico ou outros fatores de risco específicos. Todos os outros pacientes podem ser submetidos com segurança à PL sem passar por uma varredura de TC prévia.
A administração de antibióticos exerce efeito mínimo sobre a bioquímica e citologia do LCS, mas pode diminuir o rendimento da coloração de Gram e da cultura. De fato, a administração de antibióticos pode resultar em culturas de LCS estéreis num período de 1 hora, em casos de pacientes com infecção meningocócica. As infecções pneumocócicas, todavia, costumam apresentar cultura positiva por até 4 a 10 horas após a administração de antibióticos por via parenteral. De modo significativo, as colorações de Gram conseguem identificar positivamente um organismo em 10 a 15% dos pacientes que apresentam culturas estéreis após a administração de antibióticos.
A identificação do organismo causal permite aos clínicos estreitar com segurança o espectro da terapia antimicrobiana. Entretanto, no SE, nós frequentemente não conseguimos saber com certeza qual organismo precisará ser identificado. Por isso, ternos que iniciar a terapia empírica com base nos dados epidemiológicos e padrões de resistência locais. A coloração de Gram do LCS é bem-sucedida na identificação do microrganismo em cerca de 80% dos casos. Como, em média, os resultados da coloração de Gram, são disponibilizados em 1 a 2 dias antes da disponibilização dos resultados da cultura, é útil saber o padrão de coloração Gram dos organismos mais comuns.
A presença de diplococos gram-positivos sugere uma infecção por Streptococcus pneumoniae, enquanto a presença de diplococos gram-negativos sugere infecção por Neisseria meningitidis. A presença de pequenos cocobacilos gram-negativos pleiornórficos sugere infecção por Haemophilus influenzae, enquanto os cocobacilos e bastonetes gram-positivos sugerem infecção por Listeria monocytogenes. Os casos adicionais são identificados pelas culturas de LCS e hemoculturas. As análises adicionais do LCS devem incluir a pressão de abertura (que pode ser a única anormalidade presente em casos de meningite criptocócica), proteína no LCS, glicose no LCS, contagem celular com diferencial e lactato no LCS. Infelizmente, apesar de todos esses exames, ainda pode ser bastante difícil distinguir as possíveis causas de meningite (bacteriana, viral, tuberculosa, neoplásica, autoimune, etc.). Dessa forma, a maioria dos pacientes com pleiocitose de LCS (presença de número elevado de leucócitos) deve ser internada e tratada para meningite enquanto aguarda os resultados da cultura.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL PELO LÍQUIDO CEREBROSPINAL:

TRATAMENTO: O elemento mais importante do tratamento após a estabilização do ABC é a iniciação da terapia antimicrobiana adequada. Os organismos que mais causam meningite bacteriana em pacientes adultos são Neisseria meningitidis e Streptococcus pneumoniae. A terapia inicial deve incluir uma cefalosporina de terceira geração em dose suficiente para alcançar uma concentração adequada no LCS. A ceftriaxona ou a cefotaxirna, a uma dose de 2 g, com frequência é recomendada nos EUA. Como resultado da crescente prevalência mundial de Streptococcus pneumoniae farmacorresistente, a maioria das autoridades agora recomenda administrar uma dose de vancomicina aliada a uma dose de cefalosporina até que o perfil de resistência possa ser obtido. Os pacientes com mais de 50 anos, alcoólatras ou imunossuprimidos apresentam risco aumentado de infecção por organismos adicionais, incluindo Listeria monocytogenes, Haemophilus influenzae e bacilos aeróbios gram-negativos. Dessa forma, esses pacientes devem ter a ampicilina adicionada ao regime antibiótico empírico. Pacientes com menos de 1 mês apresentam risco de infecção por Streptococcus agalactiae, Klebsiella sp, E. coli e L. monocytogenes, e requerem outro regime empírico.

Além de adequar a terapia antimicrobiana, diversos estudos recentes obtiveram resultados melhores com o uso adjuvante de dexametasona, seja antes ou com a primeira dose de antibióticos. Segundo essa teoria, a meningite acarreta uma morbidade e mortalidade significativas que resultam da resposta inflamatória no LCS. Tal resposta pode ser intensificada quando os antirnicrobianos são administrados, levando à lise bacteriana e liberação de mediadores inflamatórios adicionais. A administração de uma dose de corticosteroides (0,15 mg por kg de dexametasona, por via intravenosa [IV], a cada 6 horas), com ou antes da primeira dose de antibióticos, pode atenuar a resposta inflamatória. Se o curso de antibióticos já tiver sido iniciado em caráter ambulatorial ou antes da administração de esteroide, a adição subsequente da dexametasona não apresenta eficácia comprovada e pode até ser prejudicial.
Para a maioria dos pacientes, é improvável que a administração de uma única dose de dexametasona seja prejudicial, e a maior parte das autoridades recomenda que, se o paciente estiver sendo tratado com antibióticos por apresentar suspeita de meningite bacteriana, essa medicação deve preceder ou ser administrada com uma dose de dexametasona.
Depois que o paciente é diagnosticado com meningite bacteriana, seus familiares e as pessoas com quem teve contato próximo (como o companheiro de quarto do paciente desse caso) frequentemente ficam preocupadas quanto a terem que receber profilaxia antibiótica para evitar o desenvolvimento uma infecção semelhante. As atuais diretrizes do Center for Disease Control and Prevention ( CDC) recomendam a profilaxia antibiótica (em geral, com fluoroquinolona ou rifampina) para aqueles que mantiveram contato próximo (pessoas que convivem na mesma residência ou casa de repouso, ou qualquer um que tenha entrado em contato com as secreções orais do paciente) com um paciente com meningite causada por Neisseria meningitidis. A profilaxia antibiótica para indivíduos que mantiveram contato com pacientes com meningite causada por Haemophilus influenzae não é recomendada se todos os contatos com idade < 4 anos tiverem sido vacinados contra a infecção por Haemophilus influenzae B (Hib). Dada a alta morbidade e mortalidade associada às infecções meningocócicas, a vacinação contra N. meningitidis é recomendada para estudantes universitários calouros que estejam vivendo em alojamentos, pois esses indivíduos apresentam risco moderadamente aumentado de contrair a doença.

REFERÊNCIAS:
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Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia em Serviços. Guia de Vigilância em Saúde : Volume 1 / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Coordenação-Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia e Serviços. – 1. ed. atual. – Brasília : Ministério da Saúde, 2017.
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Casos clínicos em medicina de emergênciaI; Porto Alegre: AMGH, 2014.
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NHS Choices. Health A-Z – Meningitis. Acesso em: 11 mar 2013. Disponível em: http://www.nhs.uk/conditions/meningitis/pages/introduction.aspx em: 11 mar 2013.